O 46º FESTIVAL INTERNACIONAL DE BANDE DESSINÉE DE ANGOULEME: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O 46º FESTIVAL INTERNACIONAL DE BANDE DESSINÉE DE ANGOULEME: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES





O Festival Internacional de Bande Dessinée de Angoulême, na França, é um espaço que tem como característica mais marcante a pluralidade. Pelas ruas do centro de Angoulême, encontramos de autores já consagrados, andando despreocupadamente, a jovens fanzineiros expondo seus trabalhos em uma das muitas esquinas da cidade; de exposições magníficas, utilizando os mais modernos recursos tecnológicos, a apresentações mais simples, relembrando os tempos do movimento underground. Em Angoulême, durante o FIBD, há opções para todos os gostos. Pluralidade é, de fato, a palavra certa para definir esse evento, que se fortalece a cada ano.

Carolina - edição francesa.
Em 2019, tivemos muitas razões para comemorar o festival. Nessa edição, o Brasil foi premiado por meio da hq Carolina, de Sirlene Barbosa e João Pinheiro, publicada no Brasil, em 2017, pela editora Veneta. O trabalho, também publicado em francês, recebeu o Prêmio do Júri Ecumênico, após passar por uma rigorosa avaliação. Carolina de Jesus, a poetisa da favela, é uma autora brasileira muito apreciada na França. 

PEIBÊ - fanzine indicado
para prêmio.
Tivemos ainda a participação do Henrique Magalhães, da editora Marca de Fantasia, com a produção Maria Magazine, e do fanzine PEIBÊ,  sob a direção de Alberto de Souza, o Beralto. Ambos os títulos foram selecionados para os prêmios de publicações alternativas. Autores brasileiros como André Diniz e Marcello Quintanilha também estiveram presentes, autografando nos estandes de suas respectivas editoras.

Foram inauguradas 12 grandes exposições, que devem se estender por mais alguns meses após o fim do festival, homenageando personagens e autores. A mais aguardada de todas foi Batman 80 anos, aberta oficialmente no dia 23 de janeiro, com a presença do quadrinista Frank Miller, homenageado durante a cerimônia de abertura com um prêmio especial oferecido pela organização. Autores como Milo Manara, Tsutomu Nihei, Taiyo Matsumoto, Bernadette Després, Jérémie Moreau e Richard Corben foram igualmente homenageados com belíssimas exposições.


Frank Miller
Foto de divulgação do FIBD.
Vale falar rapidamente sobre algumas delas, começando com o homenageado do ano, Batman. A exposição, que comemora os 80 anos de um dos personagens mais conhecidos do mundo, trouxe suas origens, seus primeiros quadrinhos, suas aparições no cinema e em animações, seus principais  inimigos e uma série de originais de diversos artistas que deram forma ao herói mais temido da DC Comics. Pode-se dizer que a exposição fez uma síntese desses 80 anos de forma muito eficiente, não tendo faltado nem mesmo a participação do Batman da Lego. O Hôtel de Ville, que corresponde às nossas prefeituras, recebeu uma iluminação especial em homenagem ao Cavaleiro das Trevas, reproduzindo a fictícia cidade de Gotham City.

Rumiko Takahashi, segunda
mulher a vencer o Grand Prix.
Belíssima e voltada especialmente para o público infantil, a exposição Tom-Tom et Nana présentent: tout Bernadette Després! festejava a obra de Bernadette Després. Na década de 1970, Tom-Tom et Nana tornou-se um grande sucesso, tendo saído dos quadrinhos e ganhado a TV numa série animada até hoje muito apreciada. A autora ainda foi homenageada com um prêmio especial em uma bela cerimônia no Teatro de Angoulême. Depois de Rumiko Takahashi, que recebeu o Grand Prix, Bernadette Després foi a artista mais celebrada em Angoulême.

Manara, comentando sua
exposição.
E para quem esperava que a exposição sobre Milo Manara fosse se limitar a quadrinhos eróticos, esta talvez tenha sido a melhor surpresa: destacou-se a obra do artista italiano em seu todo, apresentando um Manara que boa parte de seus leitores desconhecem. Nela aparecem outras facetas do autor, seus quadrinhos políticos e de humor. Apenas cerca de 10% do material exposto era erótico e concentrou-se num pequeno cubículo, que não teria sido notado caso não tivesse uma iluminação diferente.

Exposição de Tsutomu Nihei,
no Espaço Franquim.

Os mangakás Tsutomu Nihei e Taiyo Matsumoto tiveram suas obras expostas em destaque no Espaço Franquim e no Museu de Angoulême. Com seu estilo futurista pós-apocalíptico e pós-humano, Nihei abusa da imaginação ao criar personagens que são metade  máquina, grandes robôs e mundos distópicos. Os quadrinhos de Matsumoto, por sua vez, trazem crianças que vivem em famílias pouco convencionais ou mesmo que não possuem família, assim como o autor, abandonado ainda bebê pelos pais. Estilos diferentes de dois grandes nomes do mangá, gênero artístico que, durante o FIBD, tinha seu próprio espaço, o Mangá City, um enorme complexo montado ao lado do Museu dos Quadrinhos. Se já é difícil conseguir conferir todas as grandes exposições, o que dizer das pequenas? 

Participar do FIBD de Angoulême provoca, no mínimo, um choque cultural. São tantos estímulos, tantas informações que chega a ser um processo lento de absorção. Pessoas de todas as partes da França, da Europa e de outros continentes se dirigem a uma pequena cidade que, durante quatro dias, recebe toda a atenção da grande mídia francesa.  Para quem acha que quadrinhos são coisa de criança, esclareço que, com exceção das visitações escolares, a maioria do público do FIBD é adulta.
Um dos muitos espaços reservados aos visitantes do Festival, com venda de obras raras, autógrafos com autores e lançamentos.
E é um exercício mentalmente desgastante imaginar como uma cidade conseguiu se apropriar de tal forma dos quadrinhos a ponto de transformá-los em parte de sua identidade cultural. Se, no passado mais remoto, Angoulême foi uma cidade medieval e o berço de uma das dinastias que governou a França no período moderno, ela hoje é a cidade dos quadrinhos e tem muito orgulho disso.

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