Caros Aspianos e demais público do blog da ASPAS, chegou a hora das indicações de leituras para o mês de fevereiro de 2024, feitas por Guilherme Smee.
Depois da Marvel, mais especificamente o Marvel Studios, ter feito um boicote com os X-Men e o Quarteto Fantástico cujos direitos pertenciam à Fox, os quadrinhos da primeira família da Marvel ficaram sob a incumbência de Dan Slott. Infelizmente a passagem de Slott pelo gibi foi de altos e baixos. Essa nova fase do título, por Ryan North, responsável pelo quadrinho da Garota-Esquilo, é muito melhor que a de Slott. É mais esperta, cheia de referências e citações legais, mas mais do que isso, não quer ser grandiloquente, e aposta primeiro no singelo e muito em teorias científicas. Isso acaba fazendo de Reed Richard, de longe o personagem mais chato da equipe, em alguém mais palatável. Nesse primeiro encadernado o Quarteto fez algo para salvar o mundo que custou um grande sacrifício para a equipe e para Nova York. Mas em vez de começar com esse evento bombástico, North vai estabelecendo os personagens em historias curtas e expressivas para só no quarto número colocar O Que Aconteceu com o Quarteto Fantástico. Então o leitor fica sabendo o terrível segredo que trouxe sofrimento e ansiedade para a equipe. Nem por isso a aventura para. Ela continua ainda melhor. E os próximos encadernados prometem!
XEQUE-MATE: PARTE 1, DE GREG RUCKA, JUDD WINNICK, JESUS SAIZ E JOE BENNETT
Xeque-Mate faz parte de uma onda de quadrinhos noir que assolou os comics estadunidenses em meados dos anos 2000. Não apenas as tramas continham elementos detetivescos e plots twists inacreditáveis, mas também a arte dessas HQs continham uma presença de preto muito maior nas páginas e na forma de contar essas histórias. Xeque-Mate conta as missões de um agência internacional sancionada pelo conselho de segurança da ONU, que lida com problemas meta-humanos. Fazem parte dela diversos personagens com poderes e sem poderes da DC Comics, com destaque para Amanda Waller que é a causa de muitos problemas para o próprio Xeque-Mate. O roteiro de Grag Rucka é incrível, o autor estava realmente inspirado ao criar todas essas tramas entrelaçadas e complexas que o Xeque-Mate encara, como muitas reviravoltas embasbacantes. E, para nós, brasileiros, tem um gostinho especial porque ela lança holofotes em determinadas partes para Beatriz da Costa, a Fogo, que tem um passado obscuro envolvendo a ditadura militar brasileira. Além de ser um quadrinho incrível também tem consciência social.
CANSEI DE SER MONSTRO, DE THAIS LEAL E GUILHERME DE SOUSA
As narrativas em quadrinho do meu xará Guilherme de Sousa tem como marca subverter as expectativas do leitor, levado por um senso comum de que bailarinas não têm defeito ou que todo monstro é monstruoso. Desta vez, ao lado de sua companheira, Thais Leal, os dois nos levam para uma aventura em que um monstro desses do estilo de Monstros S/A vem ao nosso mundo em busca de uma criancinha pra papar, mas lá pelas tantas decide que não que mais ser monstro e sim uma pessoa. Nisso, ele e seu ajudante mirim - a criança que ele não papou - vão se embrenhar em confusões no confuso mundo das pessoas adultas, mas com o toque especial dessas tramas que o xará põe o dedo, que é de subverter tudo aquilo que esperávamos que fosse acontecer. Essa é uma das grandes ferramentas do humor, já elencadas por estudiosos da narrativa e que é tão bem realizada nessa história em quadrinhos. Por isso, ela tem o potencial de agradar não somente as crianças que não serão papadas por monstros, como para quem tem uma criança dentro de si (e não precisou papar ninguém pra isso).
PRIMORDIAL, DE JEFF LEMIRE E ANDREA SORRENTINO
Fazia um tempinho que Primordial estava na minha pilha de leitura, mas eu confesso que dei uma cansadinha de Jeff Lemire por um tempo. Andava muito repetitivo. Contudo, ao ler Primordial me deparei com um outro Lemire, o que fica distante das tramas familiares e vai em busca da ficção científica. Primeiro, é preciso dizer que Primordial é, em essência uma grande homenagem a We3, de Grant Morrison e de Frank Quitely. De Morrison vêm as realidades extradimensionais, fora do conhecimento humano, mas que alguns de nós (no caso os animais protagonistas desta HQ) podem atingir. Andrea Sorrentino, o desenhista de Primordial, não esconde que usou muito dos layouts de páginas que Quitely trabalhou em We3 e em outros trabalhos como Flex Mentallo, ao lado de Morrison. Mas a HQ tem as suas próprias qualidades, que é a forma como nos importamos com os bichinhos da trama. Quando ela acabou me deu vontade de ir abraçar meus gatinhos. Então Primordial fez isso: retomar meu interesse por Jeff Lemire e por Andrea Sorrentino, que tinham me perdido muito em Gideon Falls.
BAZAR DAS MARAVILHAS, DE MARCUS LEOPOLDINO E DANIEL FRANCO
O amigo Marcus Leopoldino é uma máquina de criação de roteiros e sempre está com um novo lançamento para oferecer ao público da Risco Editora. Acho que este Bazar das Maravilhas foi um dos quadrinhos dele que mais gostei. Ele conta a história de dois irmãos em busca de sua ancestralidade, que tem a ver com uma tribo indígena que foi visitada por uma expedição belga no século XIX. Enquanto os irmãos vão procurando encontrar pistas sobre a trajetória de sua família, no passado, acompanhamos as aventuras de Kauane, uma menininha indígena. Kauane acaba sendo capturada e transportada Brasil afora. Em um certo momento, as duas histórias encontram uma conexão. Acredito que muito do tempo que Marcus passou servindo o exército na Amazônia ajudo a compor essa história em quadrinhos. Bazar das Maravilhas também conta com os esplendorosos desenhos de Daniel Franco, que dão toda uma atmosfera própria para o quadrinho, mostrando aventura e sentimento nos momentos e nas quantidades certas.
UNS LIVROS
HMMM! PAIXÃO CRIATIVA DE MOACY CIRNE, DE GUILHERME SILVEIRA, LIELSON ZENI, MARIA CLARA CARNEIRO E VALTER DO CARMO MOREIRA
Um incrível, inspirador e belo trabalho do GPOQT, Grupo de Pesquisa em Quadrinhos liderado pela Profa. Dra. Maria Clara Carneiro. Moacy Cirne é um dos mais entusiasmados pesquisadores pioneiros dos estudos sobre quadrinhos no Brasil. Neste livro é contada sua trajetória, não apenas como quadrinista, mas como poeta e comunicólogo. Além disso, são apresentadas resenhas de todos os seus livros publicados até a ocasião de seu falecimento. Diferente de muitos de seus contemporâneos pesquisadores de quadrinhos, Cirne ia além do objeto e pensava suas intersecções com a formação e projeção da realidade, ou seja, dava um peso mais político para os efeitos dessa mídia. Neste livro, os artigos dão conta não apenas dessa verve, mas também de sua preocupação com a forma e com o conteúdo do quadrinho. Além disso, pensam como Cirne trabalhava a epistemologia da pesquisa em quadrinhos, de uma forma vanguardista até mesmo para os dias atuais. Soma-se a todos esses elogios, uma capa e projeto gráfico lindíssimos, algo raro de ser apresentado em trabalhos acadêmicos em geral. O GPOQT está de parabéns!
Até o próximo mês!
=)
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