O Festival Internacional de Bande Dessinée de Angoulême, na França, é um
espaço que tem como característica mais marcante a pluralidade. Pelas ruas do
centro de Angoulême, encontramos de autores já consagrados, andando
despreocupadamente, a jovens fanzineiros expondo seus trabalhos em uma das
muitas esquinas da cidade; de exposições magníficas, utilizando os mais
modernos recursos tecnológicos, a apresentações mais simples, relembrando os
tempos do movimento underground. Em Angoulême, durante o FIBD, há opções para
todos os gostos. Pluralidade é, de fato, a palavra certa para definir esse
evento, que se fortalece a cada ano.
Carolina - edição francesa. |
Em 2019, tivemos muitas razões para comemorar o festival. Nessa edição,
o Brasil foi premiado por meio da hq Carolina,
de Sirlene Barbosa e João Pinheiro, publicada no Brasil, em 2017, pela editora
Veneta. O trabalho, também publicado em francês, recebeu o Prêmio do Júri
Ecumênico, após passar por uma rigorosa avaliação. Carolina de Jesus, a poetisa
da favela, é uma autora brasileira muito apreciada na França.
PEIBÊ - fanzine indicado para prêmio. |
Foram inauguradas 12 grandes exposições, que devem se estender por mais
alguns meses após o fim do festival, homenageando personagens e autores. A mais
aguardada de todas foi Batman 80 anos,
aberta oficialmente no dia 23 de janeiro, com a presença do quadrinista Frank
Miller, homenageado durante a cerimônia de abertura com um prêmio especial
oferecido pela organização. Autores como Milo Manara, Tsutomu Nihei, Taiyo
Matsumoto, Bernadette Després, Jérémie Moreau e Richard Corben foram igualmente
homenageados com belíssimas exposições.
Frank Miller Foto de divulgação do FIBD. |
Vale falar rapidamente sobre algumas delas, começando com o homenageado
do ano, Batman. A exposição, que comemora os 80 anos de um dos personagens mais
conhecidos do mundo, trouxe suas origens, seus primeiros quadrinhos, suas
aparições no cinema e em animações, seus principais inimigos e uma
série de originais de diversos artistas que deram forma ao herói mais temido da
DC Comics. Pode-se dizer que a exposição fez uma síntese desses 80 anos de
forma muito eficiente, não tendo faltado nem mesmo a participação do Batman da
Lego. O Hôtel de Ville, que corresponde às nossas prefeituras, recebeu uma
iluminação especial em homenagem ao Cavaleiro das Trevas, reproduzindo a
fictícia cidade de Gotham City.
Rumiko Takahashi, segunda mulher a vencer o Grand Prix. |
Belíssima e voltada especialmente para o público infantil, a exposição Tom-Tom et Nana présentent: tout Bernadette
Després! festejava a obra de Bernadette Després. Na década de 1970, Tom-Tom et Nana tornou-se um grande
sucesso, tendo saído dos quadrinhos e ganhado a TV numa série animada até hoje
muito apreciada. A autora ainda foi homenageada com um prêmio especial em uma
bela cerimônia no Teatro de Angoulême. Depois de Rumiko Takahashi, que recebeu
o Grand Prix, Bernadette Després foi a artista mais celebrada em Angoulême.
Manara, comentando sua exposição. |
E para quem esperava que a exposição sobre Milo Manara fosse se limitar
a quadrinhos eróticos, esta talvez tenha sido a melhor surpresa: destacou-se a
obra do artista italiano em seu todo, apresentando um Manara que boa parte de
seus leitores desconhecem. Nela aparecem outras facetas do autor, seus
quadrinhos políticos e de humor. Apenas cerca de 10% do material exposto era
erótico e concentrou-se num pequeno cubículo, que não teria sido notado caso
não tivesse uma iluminação diferente.
Exposição de Tsutomu Nihei, no Espaço Franquim. |
Os mangakás Tsutomu Nihei e Taiyo Matsumoto tiveram suas obras expostas
em destaque no Espaço Franquim e no Museu de Angoulême. Com seu estilo
futurista pós-apocalíptico e pós-humano, Nihei abusa da imaginação ao criar
personagens que são metade máquina, grandes robôs e mundos
distópicos. Os quadrinhos de Matsumoto, por sua vez, trazem crianças que vivem
em famílias pouco convencionais ou mesmo que não possuem família, assim como o
autor, abandonado ainda bebê pelos pais. Estilos diferentes de dois grandes
nomes do mangá, gênero artístico que, durante o FIBD,
tinha seu próprio espaço, o Mangá City, um enorme complexo montado ao lado do
Museu dos Quadrinhos. Se já é difícil conseguir conferir todas as grandes
exposições, o que dizer das pequenas?
Participar do FIBD de Angoulême provoca, no mínimo, um choque cultural.
São tantos estímulos, tantas informações que chega a ser um processo lento de
absorção. Pessoas de todas as partes da França, da Europa e de outros
continentes se dirigem a uma pequena cidade que, durante quatro dias, recebe
toda a atenção da grande mídia francesa. Para quem acha que
quadrinhos são coisa de criança, esclareço que, com exceção das visitações
escolares, a maioria do público do FIBD é adulta.
Um dos muitos espaços reservados aos visitantes do Festival, com venda de obras raras, autógrafos com autores e lançamentos. |
E é um exercício mentalmente desgastante imaginar como uma cidade
conseguiu se apropriar de tal forma dos quadrinhos a ponto de transformá-los em
parte de sua identidade cultural. Se, no passado mais remoto, Angoulême foi uma
cidade medieval e o berço de uma das dinastias que governou a França no período
moderno, ela hoje é a cidade dos quadrinhos e tem muito orgulho disso.
2 comentários
Bom dia, na categoria Alternativa também esta a minha revista a " La Bouche du Monde" revista independente criada em Belém do Para e actualmente editada no sul da França. www.labouchedumonde.com
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